Cowboy Bebop - Temporada 1

Os fãs de animação japonesa (onde nos incluímos) adoram referir o impacto cultural de várias séries e filmes animé, muitas vezes obscuros e por vezes sem razão, como uma tentativa de legitimar este género tão peculiar de entretenimento. Mas no caso de Cowboy Bebop, não é um exagero. É inegável a sua relevância visual e narrativa, que tem vindo a captar o imaginário de fãs desde a sua estreia em 1998. Por isso mesmo, foi também escolhida pela Netflix para uma adaptação a série 'live action', com um elenco recheado, um orçamento chorudo, e colaboração do próprio criador Shinichirō Watanabe.

Não faltam no mercado adaptações medíocres - algumas terríveis - de animação japonesa ao grande ecrã, mas felizmente Cowboy Bebop é superior à esmagadora maioria. Ainda que não seja uma adaptação perfeita. Em certos momentos a série consegue ser estupenda, um verdadeiro sonho tornado realidade para os fãs, mas existem outros momentos em que a qualidade desce drasticamente, e isso acontece normalmente quando a série se desvia do animé original.

Mas de forma geral ficámos até algo surpreendidos pela positiva. Esta produção da Netflix acertou em cheio no estilo único de Cowboy Bebop, de uma ficção científica misturada com um ambiente noir, que forma algo muito mais mexido e excêntrico que esses dois géneros separados. Enquanto a humanidade se expandiu infinitamente pelo universo, criando incontáveis ​​civilizações em todo o espectro planetário, também fez aquilo que faz melhor - sujou, desgastou, e destruiu. É o futuro, mas um futuro decadente, com casinos imundos, condições precárias, e clubes duvidosos. Ainda assim, nem o céu é o limite, para quem tiver coragem, dinheiro, ou ambos.

A apresentação meticulosa desse universo era um dos pontos fortes do animé, e continua a sê-lo na série da Netflix. A série mistura várias iconografias culturais diferentes com facilidade e, acima de tudo, consegue manter o equilíbrio delicado da da obra original de Watanabe. Acrescentem a isso um trabalho de câmara verdadeiramente lúdico, que parece um misto entre as técnicas de Quentin Tarantino e Wes Anderson, e o resultado é uma série empolgante e estimulante.

Outro ingrediente essencial para a qualidade da série passou por uma escolha globalmente acertada para o elenco, com fortes atuações de Daniella Pineda como Faye Valentine e Mustafa Shakir como Jet Black. Já não conseguimos dizer o mesmo do desempenho de John Cho como Spike Spiegel, embora tenhamos de reconhecer que Spiegel parece ser uma personagem particularmente difícil de interpretar. Estamos a falar de um tipo que é em igual dose sarcástico, romântico, cínico, prestativo, egoísta, e atencioso. É um misto de opostos, que por baixo do seu exterior aparentemente apático esconde um homem em sofrimento, que tenta seguir em frente e encontrar onde encaixar na vida. Infelizmente Cho nunca parece conseguir passar totalmente a profundidade da personagem através da sua interpretação. Não é que seja um mau ator, porque não é, mas parece-nos que talvez não tenha sido a escolha certa para o papel.

A série apresenta também algumas coreografias estranhas aqui e ali, com sequências de luta menos elegantes do que normalmente vemos noutras séries de grande orçamento. Felizmente, contudo, isso não se aplica a toda as sequências de ação, e as que são realmente importantes e icónicas foram adaptadas com qualidade.

Mas no geral gostámos desta adaptação de Cowboy Bebop. Os fãs mais puristas podem vir a criticar a reorganização da estrutura narrativa, e algumas das escolhas para expandir o passado das personagens, mas no geral pareceu-nos uma adaptação muito positiva. Tomara que todas as séries de animação japonesa tivessem tido o mesmo cuidado, orçamento, e amor pelo material de origem, que esta adaptação apresenta. Quer sejam fãs, ou meros curiosos, aconselhamos a espreitarem Cowboy Bebop - tanto a série original de animação japonesa, como esta adaptação.